"Gonçalo Condeixa transmite - nos na sua obra a mesma ideia de
frontalidade e nobreza que o caracteriza no diálogo mais diverso.
Não é certamente por acaso que o tema do cavalo (e do touro) lhe venha
da infância, ou que em vez da pedra, já por si atractiva, recorra aos
restos - ao ferro velho - para, "num golpe de asa", nos trazer a
magia do cavalo, como se ressurgisse das trevas (da ferrugem) a luz
que animou a caminhada e a luta reacendendo a memória e o sonho.
Obra a ver para além do olhar: não se fixe o mito, nem se deixe
escapar a metáfora por detrás do conversor que transformou os óxidos
em primários.
Reinvente- se as estórias, a partir dos desenhos e esculturas. Com
ironia, e uma fugidia ternura."
Lisboa, 2 de Janeiro de 1998
Carlos Neves carvalho
"Quando Deus quis criar o cavalo, disse ao Vento Sul: "Da tua substância criarei um novo ser que se tornará na glória dos meus eleitos,
na vergonha dos meus inimigos, na indumentária dos meus servos". E tomando um punhado de vento, concebeu o cavalo e disse: "Criei-te único. Às crinas da tua fonte amarrei o êxito; sobre o teu dorso depus a riqueza dos despojos e, nos teus flancos, os tesouros do mundo" E mais: "Trespassarei de amor por ti o coração do teu amo..."
Quando Adão foi chamado a nomear todas as criaturas, aproximou- se do cavalo e disse - lhe:
"Não há palavras que cheguem para descrever o teu esplendor. Não há palavras para dizer a tua beleza. Serás o Senhor do mundo terreno. Servi-lo-ás sem servidão. Aqueles que quiserem vencer-te deverão convencer-te primeiro e, pelos séculos dos séculos, serás o orgulho das civilizações vindouras. Sobre as tuas asas imaginárias transportarás os seus sonhos e, ao som do teu galope, os povos erguer-se-ão respondendo ao chamamento do Espaço".
Logo que o homem se ergueu do chão e apanhou um pedaço de argila colorida, desenhou o cavalo nas paredes da sua gruta. Ali se configurava o princípio de um vínculo indestrutível. Cavalo e cavaleiro atravessariam o tempo enfrentando juntos os mesmos desafios, as mesmas glórias, as mesmas derrotas.
De artífice a artista, o homem, à semelhança de Deus, soube sempre fazer qualquer coisa a partir do nada ou a partir dos mais estranhos materiais.
Momento mágico na escultura de Gonçalo Condeixa, estes metálicos retalhos domados à rédea solta por mão segura, do alto de uma sela imaginária onde a luz brilha mais e as sombras são mais profundas, talhando em línguas de fogo a mais bela criatura de Deus na emoção intacta de perfeitos instantâneos de graciosidade."